quinta-feira, 20 de junho de 2013

ARTE: Do caminho ou sobre andar e perder-se na estrada ou trabalho igual a força vezes deslocamento


Performance de Francisco Gick, da Vai!ciadeteatro dá continuidade ao projeto Sincronário – o dia fora do tempo

A performance de Francisco Gick dá continuidade ao projeto Sincronário – o dia fora do tempo, da vai!cia.deteatro. A ação consiste em andar de Porto Alegre a Rosário do Sul entre os dias 17 e 26 de junho de 2013, percorrendo os 400 quilômetros que separam as duas cidades em jornadas diárias de 8h de caminhada com 1h de intervalo para o almoço. Tempo, trabalho, dinheiro, consumo, salário, risco, são algumas das questões que permeiam a caminhada. Durante o trajeto o performer enviará registros constantes em foto e vídeo que serão publicados diariamente no site da Vai! http://www.vaiciadeteatro.com/ e no blog do projeto: http://sobreandar.wordpress.com.

Comemorando cinco anos de trajetória e com três espetáculos premiados - Cara a Tapa, Parasitas e Agora Eu Era -, a companhia idealizou e está apresentando ao longo do ano o projeto  Sincronário - O Dia Fora do Tempo, contemplado pelo Fumproarte. A pesquisa sobre os tabus sociais é o ponto de partida para uma nova criação artística, com foco nas mudanças de percepção provocadas pelo tempo. Foram escolhidos quatro temas principais: materialismo, falsas doutrinas, sexo e medo. Até que ponto eles nos limitam para agir sobre os nossos desejos?

Os atores apresentarão performances individuais mostrando construções de máscaras sociais com um objetivo comum que é ganhar o jogo: ser visto e se sentir vencedor. E se tudo não passa de uma realidade fictícia controlada, com regras de sobrevivência, o que acontece com os desejos - do público e do ator? O sistema nos oferece as armas e nós somos as peças. Precisamos jogar! O público pode ter acesso aos perfis dos candidatos/jogadores em um blog, que funciona como uma agenda aberta de toda a pesquisa.


Os temas que motivaram a performance de Francisco Gick

Voltar no tempo
Uma imagem de trinta e cinco anos atrás: o super-homem encontra Lois Lane morta no carro e para salvá-la faz voltar o tempo dando voltas na terra em direção contrária à de rotação do planeta. Se a terra gira em torno do próprio eixo de oeste para leste, o super-homem girou de leste para oeste invertendo o fluxo do tempo, fazendo com que rios corressem montanha acima, pedras despencadas rolassem penhasco acima e coisas do gênero. Tudo para salvar Lois Lane.

Os operários em Bangladesh
Na televisão: quatrocentos operários morrem em Bangladesh. Construíam um prédio. O papa condena – deus não existe –, ganhavam uns cinquenta dólares por mês, os operários. O papa se pergunta como pode alguém viver com cinquenta dólares por mês. Na televisão, mulheres que passam doze horas em pé desossando frangos; um frango a cada seis segundos, quanto? Quanto por frango? Quanto por segundo? E eu? O que compra um operário em Bangladesh com seus cinquenta dólares, o que compra uma mulher brasileira com seus um frango a cada seis segundos, o que compro eu com o dinheiro que ganho do tempo que trabalho? O que é o mesmo que perguntar: quanto vale meu tempo? Mais que isso, é perguntar: quanto em mercadorias vale meu tempo? Zero vírgula zero zero cinco seis de real. Pouco menos do que seis milésimos de real, que seis décimos de centavo de real. É a resposta. É quanto vale um segundo do meu trabalho no Projeto Sincronário da Vai! Cia. De Teatro? Pouco menos de seis milésimos de real.

O Big Mac
Um ícone de consumo. O Big Mac está tão espalhado pelo mundo que chega a existir uma estatística sobre o preço do Big Mac em cada país, The Big Mac Index. Quero dizer, existem pessoas sérias, de ternos pretos e marrons, pastas de couro, computadores portáteis e tudo o mais, que se dedicam a classificar o preço do Big Mac pelo mundo afora. As pessoas dedicadas a isso são tão sérias que essa estatística parece importante: é um indicador do custo de vida de um país, além de dar pistas sobre a realidade cambial do mesmo. No momento em que este texto é escrito, o Brasil tem o quinto Big Mac mais caro do mundo, custando onze reais e vinte e cinco centavos. Quantos Big Macs pode comprar um homem que ganha cinquenta dólares por mês e constrói prédios em Bangladesh? O país não tem Big Mac Index talvez nem tenha Mac Donald's. E eu? No Brasil, quinto Big Mac mais caro do mundo, quantos Big Macs posso comprar vivendo como artista na cidade de Porto Alegre? Nenhum. Todo o dinheiro que ganho está comprometido com alguma conta prévia. É preciso mais tempo. Há que se ter dias de trinta horas, é o que as pessoas dizem. Há que se ter mais tempo para comprar Big Macs. Bem dito, é preciso que se tenha mais tempo para se trabalhar mais e consumir o fruto do trabalho em algo absolutamente fútil. É preciso ganhar tempo. É preciso fazer o que o super-homem fez: ganhar segundos, andar novamente sobre o tempo passado, retrabalhar e ser repago.

Fazer o que o super-homem faz.
Voltar no tempo, girar em torno do eixo da terra em direção contrária à de rotação do planeta. Onze reais e vinte e cinco centavos divididos por pouco menos de seis milésimos de real é igual a dois mil segundos e é o que precisa ser voltado. A terra gira de oeste para leste a aproximadamente duzentos metros por segundo: a cada segundo um determinado ponto da superfície terrestre, homem, mesa e computador estão duzentos metros mais a leste da posição em se encontravam no segundo anterior. Regra de três: se a terra anda duzentos metros em um segundo deve-se andar duzentos metros na direção contrária para voltar um segundo.

Do caminho.
Dois mil segundos multiplicados pelos duzentos metros para voltar cada segundo são quatrocentos quilômetros. Saindo de Porto Alegre, numa linha quase reta em direção ao oeste, quatrocentos quilômetros depois: Rosário do Sul.

A pergunta.
Poderia dizer: o dispositivo. Mas dispositivo é um jeito de perguntar e a pergunta é: andar de Porto Alegre a Rosário do Sul em dez dias, com jornadas diárias de oito horas de caminhada e um intervalo de almoço de uma hora. Não há ponto de interrogação, nem “o que”, nem “por que”, também, esta pergunta não faz par com uma resposta, não é um conjunto de signos a serem comunicados, não é uma lição, ela existe por si, pergunta uma série de coisas e responde a outras tantas. A pergunta é um convite.

Acompanhe as performances da Vai!ciadeteatro no site:

Acompanhe o dia-a-dia do projeto no Blog:

O projeto Sincronário - O Dia Fora do Tempo tem financiamento do Fumproarte

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